O desenho como direito de resposta

Diogo de Moraes está entre os artistas que entendem a obra como processo. Está também entre os que têm na rua e na malha do real, seu espaço de trabalho. Seu método consiste na invenção de uma operação de mapeamento de percursos urbanos. Tal procedimento, considerado por ele uma empresa, ou um empreendimento poético, permite-o fazer da prática do caminhar cotidiano, um ato performático. Devidamente trajado com seu uniforme de trabalho – que consiste em uma camisa com um logotipo bordado e um bolso adaptado para portar seus instrumentos de trabalho –, o artista encarna o funcionário de sua própria empresa, denominada Giro. Sua função: “procurador de sentido”. Seus instrumentos: um bloco de desenho, uma caneta, um bilhete único e um passe de metrô.

O procurador de sentido de Diogo de Moraes se dedica ao trânsito, a pé, ou via transporte público. Em seus trajetos faz anotações e desenhos, sem esquecer do motivo pelo qual as imagens são produzidas: servirem de instrumentos para orientá-lo no mundo. Implícita a essa deriva está, portanto, uma tarefa flusseriana de reação ao poder do instrumento [1]. Seu desenho funciona como um direito de resposta [2] a uma realidade urbana programada e controlada por aparelhos. Ao testar sua capacidade de decifrar a informação visual que se lhe apresenta durante o caminhar, o artista reconhece que imagens são mapas do mundo. O desenho, portanto, não é lugar de registro do que vê, mas é onde seu discurso se dá.

Os Desenhos de percurso não são anotações descritivas, riscadas no calor da hora, esboçadas nos momentos de passagem. São esquemas visuais sintéticos, elaborados segundo um código específico que integra texto e imagem. Há um padrão que se repete: no alto da página, o local da cidade de São Paulo onde se dá a ação; no centro, o desenho da ação; na base, um comentário, uma expressão de efeito, uma frase feita. A padronização facilita a leitura dos desenhos como relatórios sobre eventos, estados e situações da vida na metrópole.

O funcionário Diogo de Moraes tecniciza seu desenho, atribuindo-lhe a qualidade esquemática do emblema, do ícone, da logomarca. Munido apenas de papel e lápis (ou caneta, enfim) – instrumentos de papelaria, pré-industriais, pré-digitais, pré-quase-tudo –, o operário-padrão Diogo de Moraes transforma a imagem em imagem técnica. Sua empresa (obra) é um aparelho de informação. Um dispositivo de decodificação de imagens e de produção de sentidos, cujo ícone, uma guia de calçada desenhada em círculo, é uma cobra que morde o próprio rabo. O artista é criador e criatura de um esquema que evoca e confirma a circularidade da perambulação cotidiana, do pensamento, da interlocução com o mundo.

Paula Alzugaray
2008

[1] FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta - Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Editora Hucitec, 1985.

[2] "O desenho como direito de resposta", nas palavras de Diogo de Moraes.